SEU NOME GRAVADO EM MIM! “Por que é pecado amar alguém?” – RESENHA CRÍTICA!

4 O amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. 5 Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. 6 Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. 7 Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. 8 O amor jamais passará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão, a ciência também desaparecerá.” (1 Cor 13, 4-8).

Por que iniciar esta resenha com uma citação bíblica? E por que a carta de São Paulo aos Coríntios? Bem… Sou cristão católico, tenho um carinho especial pelos textos de São Paulo, me identifico com sua história de vida, mas acima de tudo isso: assisti seu nome gravado em mim e a pesquisa para produzir este texto me levaram à uma reflexão sobre a fé e vida. Mas é sobre a fé, ou sobre a vida que trata o filme? Para Platão a vida sensível não é nada mais que a imitação imperfeita de uma realidade idealizada e perfeita. A arte transmuta a realidade com suas irrealidades-reais, o cinema é a sétima Arte.

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Então aqui estou eu pensando e sentido, talvez eu esteja demasiado sensível, com aquilo que vi e revi no filme, para tentar partilhar com vocês minhas impressões e sensações. Ele, penso, desperta muitas sensações e eu, como um belo viadinho, me emocionei com os encontros, desencontros, aproximações e afastamentos que o mesmo nos proporcionou. Entretanto, vamos conhecer um pouco sobre a narrativa de Seu nome gravado em mim.

O ENREDO

Temos uma história de amor ambientada em Taiwan, nos anos 80. Amor de dois jovens que ainda estão se descobrindo como pessoa e aprendendo a fazer suas escolhas e traçarem seus caminhos. Os dois estudam em uma escola confessional católica, Jia-Han (Edward Chen): romântico, inexperiente, sentimental, vulnerável; Wang Po-te ou Bird (Tsen Chin-hua): engraçado, ousado, atrevido, instigante, provocador. Bird é transferido para a escola de Jia-Han e já a partir do primeiro encontro se estabelece uma relação incomum. Ambos se tornam amigos e a odisseia se inicia ou prossegue.

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A narrativa começa com uma quebra, parte do meio da história e então vai desenrolando os fatos com momentos de retomada a esse ponto inicial: Jia-Han em conversa com seu professor: Padre Oliver (Fábio Grageon). Com uma música de fundo e rodeados de imagens sacras, ele inicia suas lamúrias juvenis e a dor que atravessa seu coração por este amor que talvez não se concretize, que é unilateral e do qual o padre não pode entender. Mas pouco sabe ele (o jovem), Oliver tem suas próprias preocupações e desilusões…

Temporalmente o filme está dividido em duas partes: o amor juvenil e o amor na vida adulta, assim com suas implicações. Mas se pensarmos na narrativa, talvez, possamos dividi-lo em três momentos: todos os fatos antes da permissão da entrada de meninas na escola (o amor na juventude), que era só para meninos, o que se passa a partir daí com o ingresso de Wu Juo-fei (Mimi Shao), que dá outra guinada nos acontecimentos, e após isso, finalmente a calmaria do último momento com os personagens principais na vida adulta.

A CRÍTICA

O filme trata do amor, lógico, afinal estamos diante de um drama romântico. Sem dúvidas o amor está lá, mas também estão outras coisas além dele: temos a mudança, temos os conflitos e não necessariamente os do casal, mas aqueles do próprio país onde tudo se passa, as lutas de gerações diferentes, a autoaceitação e reconhecimento de si mesmo. E temos uma luta, forte luta que se trava do início ao fim da obra, luta para que se possa viver, viver apenas.

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Lembro de ter visto no Twitter comentários sobre o filme ser uma “bomba de Chernobil” e fiquei um pouco preocupado: “será se eu vi o mesmo filme que essas pessoas…” Porque por mais que não se tenha tido uma empatia com ele, definitivamente não se trata de uma produção sem qualidades. Não sei quais critérios se usou para essa classificação, se se sabe o que é Chernobil, ou mesmo se a pessoa assistiu ao filme. Mas talvez ela tenha se prendido em um aspecto apenas, e não esteja preparada para lhe dar com disjunção, acostumou-se com o feijão e arroz diário e não esteja pronta para outros pratos.

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Seu nome gravado em mim não trata apenas do amor entre dois rapazes que se encontram e desencontram, trata da vida, da vida de muitas pessoas que viveram e ainda vivem experiências terríveis por quererem amar ou por dizerem amar. Trata-se de um drama de fundo histórico que nos apresenta as dificuldades de ser gay (LGBTQIAP+) em pleno anos oitenta e em um contexto histórico-político taiwanês de instabilidade e mudança: 15 de julho de 1987, fim da Lei Marcial e ponto de mudança para uma democracia. Se até 1986 a lei proibida a homoafetividade, daqui em diante, não mais.

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Mas como se realizava concretamente essas mudanças? As pessoas simplesmente as aceitaram e acolheram, seja na política, seja na vida social? O filme demonstra que não, tudo era novo e estava se ajustando. E estes dois rapazes passam a si amar, pensando nesse amor como uma impossibilidade, seja ela pela visão social que se tinha, seja pelos valores familiares e religiosos. Vemos isso nas cenas em que um colega da escola é espancado por ser gay assumido, como Jia-Han se vê em uma situação de ter que bater no menino para manter as aparências, sendo ele também gay.

Quão assustado ele ficou ao ser tocado por uma menina e ao mesmo tempo ter que tocá-la e quando se descobrem (Jia-Han e Bird) apaixonados, como lidam diferente com a situação, por estarem com medo. Ao mesmo tempo em que querem se aproximar se afastam, Bird fazendo o possível para que aquele sentimento seja recalcado, que sejam apenas amigos, como repreende Jia-Han quando o mesmo vai confessar para a família e com a intenção de afastar o sentimento, se relaciona com mulheres.

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Disso é que se trata Seu nome gravado em mim, das experiências de jovens: homens, mulheres ou de qualquer outra identidade de gênero, que se encontram no impasse de viver e sofrer por viver, ou morrer por viver. E na vida, assim como no filme nem sempre o amor segue o curso que se desejaria, mas é possível redirecionar os seus rumos, ter novos começos. Às vezes se concretizam, às vezes não. Os enlaces amorosos do padre Oliver, por exemplo, assim como dos nossos protagonistas, mostram isso.

Mudar é possível, Taiwan mostrou quando aprovou o casamento gay, primeiro na Ásia. A narrativa segue esse curso de outras possibilidades, das dificuldades que eram maiores antes do que são agora, mas que ainda estão lá. Apesar disso se pode dar uma nova direção para a vida e os sonhos que não puderam ser sonhados em outros tempos.  Tudo passará, menos o amor, já disse São Paulo no parágrafo de abertura. Seu nome gravado em mim fala do amor que talvez você, leitora, leitor, leitore, já tenha vivido ou esteja vivendo, amor entre pessoas.

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Tudo isso se dar em um pano de fundo de mudanças políticas-sociais que ocorrem na ilha e que são retratados no filme: a ida dos dois nas celebrações pela morte do presidente em 1988, a repressão de um protesto pacífico e solitário de um ativista pelo casamento gay, o embate iniciado por um oficial diante de uma apresentação dos meninos que “feria” a moral e os costumes. E a própria sutileza de como eles se relacionam, indicam o sentimento um pro outro.

1 Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se eu não tivesse o amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente.” (1 Cor 13, 1)

DEVO ASSISTIR?

Se depois do que eu disse tu não for assistir, não sei se tem um coração. Não te recomendo que assista, mas DIGO: corra e vá ver o que esta produção taiwanesa tem a nos oferecer. Trata-se de uma produção muito bem feita, com um bom e surpreendente enredo que consegue te instabilizar durante os acontecimentos, com um fechamento aceitável tendo em vista o que propõe, a proximidade com a realidade que ela estabelece.

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Tu podes chorar se quiser, mas também amar se quiseres, por meio deste filme que traz boas cenas, com boas direções, atuações exemplares, locações interessantes e mais ainda uma reflexão sobre a vida hoje e ontem, os caminhos que escolheremos traçar a partir de tudo isso. Pode se destacar a cena do banho que Jia-Han dá em Bird como exemplo da excelência da produção, não pela insinuação sexual, mas por como ela foi dirigida: a emoção e o desespero que transmite, como ela é longa e nem nos damos conta e o silêncio… Ah, o silêncio… Estamos tão presos que não percebemos que não há som ou diálogo, praticamente, apenas silêncio. Eles conversam com os olhos e o corpo. Muito linda.

 Se tens interesse pode ver no catálogo da Netflix.

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